23
Ter, Abr

A paternidade de Deus, fonte da nossa esperança

Vaticano

Papa fala da paternidade de Deus como fonte de esperança

Havia algo de fascinante na oração de Jesus, de tão fascinante que um dia os seus discípulos pediram que fossem introduzidos nela. O episódio se encontra no Evangelho de Lucas, que entre os evangelistas é aquele que mais documentou o mistério de Cristo “orante”: o Senhor rezava. Os discípulos de Jesus ficam atingidos pelo fato de que Ele, especialmente de manhã e à noite, se retira em solidão e se “imerge” em oração. E por isso, um dia, lhe pedem para ensinar também a eles a rezar (cfr Lc 11, 1).

É então que Jesus transmite aquela que se tornou a oração cristã por excelência: o “Pai Nosso”. De fato, Lucas, em relação a Mateus, nos restitui a oração de Jesus de uma forma um pouco abreviada, que começa com a simples invocação “Pai” (v. 2).

Todo o mistério da oração cristã se ressume aqui nesta palavra: ter a coragem de chamar Deus com o nome de Pai. Afirma-o também a liturgia quando, convidando-nos à oração comunitária da oração de Jesus, utiliza a expressão “ousamos dizer”.

De fato, chamar Deus com o nome de “Pai” de forma alguma é um fato normal. Estaríamos inclinados a usar os títulos mais elevados, que nos parecem mais respeitosos à sua transcendência. Em vez disso, invocá-lo como “Pai” nos coloca em uma relação de confidência com Ele, como uma criança que se dirige ao seu pai, sabendo ser amada e cuidada por ele. Esta é a grande revolução que o cristianismo imprime na psicologia religiosa do homem. O mistério de Deus, que sempre nos fascina e nos faz sentir pequenos, porém não causa medo, não nos sufoca, não nos angustia. Esta é uma revolução difícil de acolher na nossa alma humana; tanto é verdade que nos relatos da Ressurreição se diz que as mulheres, depois de terem visto o túmulo vazio e o anjo “fugiram [...] porque estavam cheias de espanto e estupor” (Mc 16, 8). Mas Jesus nos revela que Deus é Pai bom, e nos diz: “Não tenhais medo!”.

Pensemos na parábola do pai misericordioso (cfr Lc 15, 11-32). Jesus fala de um pai que sabe ser somente amor para seus filhos. Um pai que não pune o filho pela sua arrogância e que é capaz até mesmo de confiar-lhe a sua parte na herança e deixá-lo ir embora de casa. Deus é Pai, diz Jesus, mas não à maneira humana, porque não há pai algum nesse mundo que se comportaria como o protagonista desta parábola. Deus é Pai à sua maneira: bom, indefeso diante do livre arbítrio do homem, capaz somente de conjugar o verbo “amar”. Quando o filho rebelde, depois de ter esbanjado tudo, retorna finalmente à casa natal, aquele pai não aplica critérios de justiça humana, mas sente antes de tudo a necessidade de perdoar, e com o seu abraço faz o filho entender que em todo aquele longo tempo de ausência lhe fez falta, dolorosamente fez falta ao seu amor de pai.

Que mistério insondável é um Deus que alimenta esse tipo de amor em relação aos seus filhos!

Talvez é por esta razão que, evocando o centro do mistério cristão, o apóstolo Paulo não sente de traduzir em grego uma palavra que Jesus, em aramaico, pronunciava “abbà”. Por duas vezes São Paulo, em seu epistolário (cfr Rm 8, 15; Gal 4, 6), toca este tema, e por duas vezes deixa aquela palavra não traduzida, da mesma forma como brotou dos lábios de Jesus, “abbà”, um termo ainda mais íntimo em relação a “pai”, e que alguns traduzem como “papai, papaizinho”.
Queridos irmãos e irmãs, nunca estamos sozinhos. Podemos estar distantes, hostis, podemos também nos professarmos “sem Deus”. Mas o Evangelho de Jesus Cristo nos revela que Deus que não pode estar sem nós: Ele nunca será um Deus “sem o homem”; é Ele que não pode estar sem nós, e isso é um grande mistério! Deus não pode ser Deus sem o homem: grande mistério é este! E esta certeza é a fonte da nossa esperança, que encontramos preservada em todas as invocações do Pai Nosso. Quando precisamos de ajuda, Jesus não nos diz para nos resignarmos e nos fecharmos em nós mesmos, mas para nos dirigirmos ao Pai e pedir a Ele com confiança. Todas as nossas necessidades, das mais evidentes e cotidianas, como o alimento, a saúde, o trabalho, até aquela de sermos perdoados e sustentados nas tentações, não são o espelho da nossa solidão: há, em vez disso, um Pai que sempre nos olha com amor e que seguramente não nos abandona.

Agora vos faço uma proposta: cada um de nós tem tantos problemas e tantas necessidades. Pensemos um pouco, em silêncio, nestes problemas e nestas necessidades. Pensemos também no Pai, que não pode ficar sem nós, e que neste momento está nos olhando. E todos juntos, com confiança e esperança, rezemos: “Pai nosso, que estás nos Céus...”.

Obrigado!

 

CATEQUESE
Praça São Pedro – Vaticano
Quarta-feira, 7 de junho de 2017

Boletim da Santa Sé
Tradução livre: Jéssica Marçal (Canção Nova)